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AS “RENOVAÇÕES” DESVENDADAS

Para se entender as atuais “renovações” dos contratos das ferrovias deve-se voltar um pouco no tempo, mais especificamente a 1996, quando a malha ferroviária nacional, e todas as suas instalações e material rodante, então tudo sob a posse e uso único da RFFSA Rede Ferroviária Nacional, foi passada para uma média dúzia de empresas. Estas empresas eram essencialmente subsidiárias de empresas que dependiam do transporte ferroviário para que seus produtos chegassem a portos. Não eram transportadoras e nunca o seriam. O objetivo delas era apenas garantir a não interrupção da chegada dos produtos das matrizes aos portos. No Nordeste foi um pouco diferente. Ali as linhas foram passadas ao Steinbruch como compensação por ter perdido na privatização da Vale.

Como consequência, imediatamente elas começam a abandonar a maior parte das operações existentes na RFFSA, a de passageiros sendo a primeira e mais completamente paralisada delas.

Mas, além de abandonar operações de carga e passageiros, elas abandonam também as linhas, especialmente as que não se dirigiam especificamente a portos, ou que não tivessem claramente por perto matéria-prima exportável.

Isto era um flagrante desrespeito ao Contrato de Concessão assinado, que previa explicitamente que em caso de desinteresse por alguma linha ou bem, ela deveria ser devolvida na condição recebida. Na ocasião foram passadas para as Concessionárias 28.000 km de linhas em condições de uso.

No primeiro momento, não havia quem controlasse os Contratos, e alguns anos depois, mesmo com o surgimento da Antt, nada muda. Na realidade só se aprofunda, agora sob o olhar complacente da Agência, que deveria cuidar do atendimento do Contrato, mas se revela um cúmplice que apenas referenda o desejo das Concessionárias.

A situação de abandono chega ao ponto de começar a incomodar a sociedade e o Ministério Público, e em 2011 o MP cobra a situação de 6.000 km então já abandonados. Nada vem nem da Antt e nem das Concessionárias, e a pressão do MP se amplia.

Um tempo depois a Vale resolve vender a FCA e mais alguns outros ativos de logística para a Mitsui, empresa japonesa especializada em exportação, tudo junto, sob o nome de VLI. Para entrar no negócio os japoneses exigem que a FCA/Vale se livre destas cobranças de linhas abandonadas, e das linhas sem portos no final.

Para tanto, a Antt providencia a Resolução 4.131 em 2013, que livra de uma só vez a FCA/Vale do compromisso com 4.000 dos 8.000 km que ela recebeu 1996. E ficou assim, a Vale pagaria uma multa de cerca de 800 milhões por 750 km de linhas irremediavelmente destruídas, mas, em compensação, quanto aos outros 3.250 km, grande parte ainda trafegável, montava-se o simulacro de que a Antt é quem estava mandando a Vale parar de circular e, portanto, a Nação é quem deveria indenizar a ela. Mas, não era só parar de rodar. Ela podia e devia sair arrancando trilhos e tudo o mais, impedindo definitivamente qualquer outro uso futuro. A linha BH-Salvador era uma das que seria arrancada. Esta maracutaia com a FCA/Vale passando batida, outras Resoluções equivalentes se seguiriam, livrando as outras Concessionários das linhas indesejadas de cada uma.

Este arranjo escandaloso foi denunciado pela sociedade imediatamente, e um tempo depois, o MPF, junto com o TCU, começam a pressionar pela revogação, pelo menos da parte da Nação indenizando a Vale por ela parar de rodar onde ela queria parar de rodar.

A Antt resiste por 3 anos a fazer qualquer modificação, mas, quando a Dilma cai, 3 dias depois eles revogam esta parte.

Então, ao longo deste processo todo, fica claro que meras Resoluções da Antt não seriam capazes de legalizar a devolução sem ônus e com bônus das linhas que a Vale não queria.

Então, precisavam de algo mais substancial, algo como uma Lei federal.

Assim, assentada a poeira da transição de governo, e com a confiança já de volta, o gabinete do Moreira Franco é encarregado de produzir a Lei necessária.

E, já em dezembro de 2016, é sapecada a MP 752.

Claro, que se aproveitou a chance para se enfiar várias outras gentilezas, que não tiveram espaço na 4.131, ampliando em muito o escopo das benesses. O descaramento aqui não tinha mais muitas reservas, porque, afinal, era uma Lei federal, coisa muito mais difícil de ser questionada juridicamente.

A MP passa no Congresso sem sobressalto algum, a não ser por questionamentos do Senador Álvaro Dias, mas que não tiveram eco algum.

Meses depois a MP é convertida na Lei 13.448. E, entre o que foi acrescentado, está esta estória da “renovação” antecipada das concessões.

No preâmbulo da Lei, para despistar, fala-se que ela se destina aos setores aeroviários, portuários, rodoviários e ferroviários. Mas, não é nada disso. Tudo ali se refere ao setor ferroviário que a encomendou.

Agora sim. Além de ser permitido devolver o que quiser, sem ônus algum, elas ainda passam a ser DONAS de tudo o que hoje é o objeto da concessão. Elas passam a ser donas dos trilhos, leitos, estações, oficinas, material rodante, tudo. Podem vender e enfiar o dinheiro no bolso. Não precisam quitar nenhum débito de multa, ambiental, etc para renovar a concessão. Todas as cobranças por abandono de material histórico, arquitetônico, prédios, oficinas, material rodante desaparecem. O novo Contrato pode ir sendo mudado à medida em que elas não o forem cumprindo. A fiscalização de vários itens só pode ser feita por algum período, depois a fiscalização cessa. Nada é dito sobre a obrigação de atender a TODOS que demandem transporte nestas linhas, mantendo a exclusividade que faz com que, hoje, 84% das cargas transportadas pertençam às próprias concessionárias ou empresas a elas ligadas. E, entre várias outras garantias de retorno financeiro positivo, acrescentou-se a renovação dos Contratos agora, 10 anos antes de seu termino. Na realidade, rasga-se o Contrato anterior com suas inconveniências, e assina-se outro.

É interessante como a Antt está sendo célere no processo. Corre-se contra o relógio da mudança do governo, sinal óbvio que aí tem coisa.

Agora, até a PGR já questionou oficialmente a legalidade de tantas vantagens, protocolando no STF uma ADI, ação de arguição de insconstitucionalidade. E o governo federal, querendo mostrar serviço, com esta estória de aplicar a outorga em obras (de outros corredores de exportação, é claro) acabou foi por desagradar mais gente ainda, levantando as vozes discordantes de diversos Estados.

Não se engane. A renovação NÃO abrandará as condições do transporte INTERNO de mercadoria e pessoas. Ela não se destina a isto.

Todos estes investimentos de que se fala, se destinam exclusivamente a ampliar o atendimento de quem já é atendido pelo que sobrou de ferrovias no país. A não ser o maquinista, nenhum brasileiro viajará nestes trens. Os números dos investimentos são fantasiosos, e não há garantia alguma de que serão executados. Invocando a santa 13.448, a qualquer momento desequilíbrios financeiros poderão ser alegados, e qualquer coisa pode deixar de ser obrigação.

E, mesmo que venham a ser construídas, estas novas linhas não são para trazer desenvolvimento regional algum por onde passam. Todas são projetadas SEM ESTAÇÕES pela EPL. Apenas no início e no porto.

Este é o quadro que será imposto ao país pelos próximos 40anos.

O MPF e o TCU tentam remediar um pouco o quadro, fazendo com que constem nos documentos da renovação algumas obrigações extras como direito de passagem e conservação de linhas. Pode constar o que quiser pois, além do histórico de 20 anos descumprindo impunemente Contratos sob as asas da Antt, pela 13.448 agora eles podem ir sendo mudados.

Não há outra coisa a fazer além de rejeitar integralmente mais este golpe sobre a Nação. Não há remendo que conserte esta estrovenga.

—————- Sobre a Multa ——————-

Em uma ourta ponta do tema, temos a multa imposta em 2013 pela 4.131 pela destruição de 750 km de linhas. Lembra-se? Esta ficou valendo.

(Claro que já destruíram muito mais. Já em 2011, levantamento da própria Antt apontava quase 6.000 km. No Nordeste, hoje, não tem mais nada. Mas, esta multa se refere a apenas a 750 deles, a maioria em Minas.)

Pela 4.131 não há data ou cronograma algum de pagamento disto, e o pagamento NÃO seria feito em dinheiro, mas em obras. A própria Resolução elenca cerca de uma dúzia delas, e são todas obras de interesse da própria FCA/Vale causadora do dano, tais como viadutos em passagem de nível, contornos de cidades e reforma de suas oficinas e pátios. Então, pela lógica da 4.131, destrói-se linhas, para se fazer obras nas que sobram.

Em 2016 o MPF de BH entra cobrando o “pagamento” da multa, mas, sem questionar este destino da multa.

Em valores atualizados a multa estaria em algo como 1 bi e 200 milhões, dos quais a VLI alega que já usou 150 milhões em suas oficinas e pátios.

Quanto às obras dos viadutos, quando começam a se mexer, começam a aparecer problemas como desapropriações que ninguém quer pagar, e a coisa agarra. Então, o próprio MPF – BH vem com a brilhante e salvadora ideia de substituir todas estas obras, que dariam vários problemas, por UMA única obra grande e muito mais cara – um viaduto que estrangula um pouco o trânsito no Anel Rodoviário de BH, sob o pretexto de que passa uma linha ferroviária em cima. Isto consumiria quase a multa toda.

É decepcionante ver o MPF se empenhando nisto. Nenhum trem a mais, nenhuma carga a mais, e nenhum um passageiro a mais acontecerá por conta de viaduto melhor no Anel. Não teremos NADA acontecendo a mais em termos de ferrovia, por conta deste viaduto. NADA mudará. ZERO de impacto positivo no desempenho ferroviário de atendimento ao público.

Por outro lado, nós da sociedade preparamos uma impressionante lista de obras de recuperação e reimplantação de linhas, e de implantação de operações de carga e passageiros, possíveis todas de serem feitas com este dinheiro, e com impactos positivos em praticamente todas as regiões de Minas e do Rio. Estou anexando esta lista a este texto.

Mas o MPF – BH resiste, dificultando o trabalho subsequente de fazer com que a própria Antt sacramente o redirecionamento da multa para projetos de retomada ferroviária.

Registre-se que o governo do Estado do Rio está oficialmente empenhado que a parte que lhes cabe desta multa vá para projetos de retomada e relançamento de linhas, a maior parte de cunho inicial turístico, e já fez contatos tentando demover o Procurador, e o Ministro dos Transportes.

A menos da Comissão Extraordinária, Minas está quieta.

Nosso entendimento é que estas eventuais obras de viadutos de passagem de nível e contornos (que devem ser evitados, pois afasta o trem das cidades e da população irremediavelmente) sejam feitos com o dinheiro da outorga, (o tal dinheiro que Minas alardeia como não querendo que vá para outros Estados), e não com dinheiro advindo da destruição de linhas.

O dinheiro da multa da 4.131 tem de ser destinado a projetos de RETOMADA ferroviária. Isto fará enorme diferença em grande parte do Estado.

 

Obras de Retomada Ferroviária

Trens Turísticos no ERJ O Globo de 1 ago 2018 capa

Trens Turisticos no ERJ O Globo de 1 ago 2018 pag 13a

Trens Turísticos no ERJ O Globo de 1 ago 2018 pag 13b

Release SME

Um comentário

  1. André, excelente resumo que conta bem essa trágica estória. Acredito que existam mais armações que são do nosso desconhecimento. Acho devd haver outros motivos políticos para que o MPF-MG atue desta forma pois, afinal de contas, foi o único que comprou essa briga de fato. Os demais ficaram somente nos questionamengy e recomendado, S.M.J.
    ABS, Pastori/RJ

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